Desde os tempos do descobrimento do Brasil, a questão fundiária sempre foi delicada e complexa de ser tratada na prática. O problema fundiário no Brasil remonta, aproximadamente, ao ano de 1530, no qual a coroa portuguesa via-se numa necessidade de expandir o território recém descoberto, além de descobrir a real dimensão da extensão territorial e do tipo de terras que se tinha na colônia e também pelo temor de Portugal de mais invasões estrangeiras, visto que, na época, piratas ingleses, corsários, franceses e holandeses constantemente saqueavam as riquezas recém descobertas da colônia.
Cria-se então, por parte da coroa, o sistema de capitanias hereditárias, que consistia em se distribuir vastas porções de terras do território brasileiro divididas em faixas de linhas imaginárias que partiam do litoral até a delimitação imposta pelo Tratado de Tordesilhas, que dividia em duas partes o Brasil, uma da coroa portuguesa e outra, da coroa espanhola. As imensas porções de terras eram cedidas às pessoas da nobreza portuguesa e pessoas de confiança do rei, que, em troca de um sexto de toda produção e da vigilância constante dessas áreas, tinham o direito de produzir, explorar a mão de obra local e desfrutar dos benefícios da terra.
Esse sistema regido por capitanias durou aproximadamente até meados 1821, pouco mais de um ano da declaração de independência.
Em 1822, com a independência do Brasil, ocorreu o contrário do que se esperava no sistema de distribuição de terras, pois, a partir daí, sem nenhuma lei específica que regulamentasse a distribuição fundiária, a organização de terras se dava pela "lei do mais forte". Não envolvia, ainda, trabalhadores rurais formais, pois esses eram escravos em sua grande maioria, a briga se dava entre os antigos proprietários, grandes fazendeiros e novos grileiros apoiados por bandos armados.
A única delimitação pública que existia nesse sentido de distribuição de terras era a da proibição da ocupação de terras públicas, a não ser que fossem compradas por dinheiro do império; isso favoreceu ainda mais os grandes latifundiários, únicos que tinham condições financeiras para adquirir terras públicas, expandindo assim ainda mais suas terras.
Além de haver as primeiras discussões a respeito da reestruturação fundiária; porém, sem maiores providências nesse sentido, esse foi também um período marcado pela violência e por muitas mortes devido às disputas desenfreadas por terras.
Em 1850, o governo institui o que se conhece como o Primeiro Código de Terras do Brasil, onde se elabora a Lei de Terras, no processo que o Império tentou consolidar a “nação brasileira”. Era necessária uma reestruturação no aspecto fundiário entre outras muitas reformulações.
Era de fundamental importância estabelecer uma relação entre estado e proprietários de terras, uma vez que estes segundos tinham um papel importantíssimo na estrutura social e política do Estado Imperial.
A Lei de terras, veio como um marco do Brasil império que num contexto da sociedade mundial, na qual a Europa, movida pela expansão do capitalismo, vivia uma grande evolução comercial e social. O Brasil precisaria não só reorganizar essa estrutura, como também dar à terra um caráter mais comercial, do que social, como era observado pelos grandes engenhos e latifúndios de pessoas influentes.
A terra passa a ser um importante e fundamental gerador de lucros para a economia do estado. Passa-se com a lei de 1850 a regulamentar-se o registro público de todas as terras e o governo passava a ter o controle total de terras devolutas, isto é, terras que apesar de terem proprietários, não produziam.
Isso ficou conhecido, apesar de timidamente, e ineficazmente, como um primeiro plano de reforma agrária no Brasil. Realmente, freou um pouco a expansão latifundiária; porém, agora, os latifúndios passaram a ficar nas mãos do governo e ainda de “coronéis latifundiários”, que tinham influência política determinante para manter seus domínios territoriais no interior.
Sem conseguir comercializar as terras devolutas, devido ao alto preço, nem impedir ou delimitar a atuação dos coronéis, o governo passou a acumular terras públicas.
Em 1889, após a abolição da escravatura, o perfil da distribuição de terras pouco mudara, permanecendo por um bom período com a mesma configuração.
Somente ao final da década de 1950, com o advento da industrialização e a maior urbanização do país (dividindo o foco da economia, antes apenas agrícola, agora com insumos industriais, e de bens e serviços), é que se começa a debater junto à sociedade a questão de terras no Brasil. Período esse em que já se cauterizava um contexto injusto e o reparo das injustiças sociais seria uma tarefa difícil, a longo prazo, para se corrigir séculos de disparidade.
Nesse período, surgiram as primeiras Ligas Camponesas do Governo Federal e criou-se a partir delas a Superintendência de Reforma Agrária (SUPRA). Essas duas formas de reestruturação foram duramente refutadas e combatidas com o implemento do regime militar em 1964. Porém, numa forma de “contradição positiva”, o Governo Federal militar estabelece novas diretrizes para a questão fundiária, elaborando o Estatuto da Terra que foi editado da lei nº 4.504, de 1964; criando o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), em substituição à antiga SUPRA.
Existiam, nessa época, esses órgãos que, de certa forma, normatizavam o sistema de Reforma Agrária no Brasil; porém, ainda não havia um plano nacional para a pauta Reforma Agrária. Em 04 de novembro de 1966, o Governo Federal lançou primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, que nunca saiu do papel; só em 1970, através do decreto nº 1.110 criou-se o instituto que ainda hoje é responsável pelas questões agrárias no país, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Além de uma sistematização mais efetiva da redistribuição fundiária, o governo através do INCRA também visava colonizar a região norte e a Amazônia, que em contraste com o quadro geral nacional, são pouco habitadas. Porém, essa experiência não obteve êxito, devido ao quadro político da época e a forma de execução desse projeto.Lavoura Arroz
A pauta da reforma agrária no Brasil voltou a ser tratada com mais intensidade a partir da redemocratização em 1984, ocasião onde se lançou posteriormente o decreto nº 97.766, que previa até 1989 através de um novo Plano Nacional de Reforma Agrária, ambição utópica para realizar a distribuição de 43 milhões de hectares a mais de 1,4 milhões de famílias que não tinham terras para morar e produzir.
A Constituição de 1988 assegurou o direito por parte da União à desapropriação de terras particulares para fins de reforma agrária.
Dentro desse novo plano, o governo criou um Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e Reforma Agrária (MIRAD), que não obteve êxito perante a meta traçada de 1,4 milhões de famílias, observando-se, em 1989, um quociente de 82.689 famílias assentadas em pouco mais de 4,5 milhões de hectares, bem abaixo da meta estipulada pelo novo plano de reforma agrária.
Durante esse período de intensos debates, o INCRA chegou a ser extinto em 1987, juntamente ao MIRAD em 1989, e a pauta da Reforma Agrária em 1989 passou a ser então do Ministério da Agricultura.
Devido à falta de um respaldo político nessa questão e a escassez de orçamento para esse tema, mesmo com a recriação do INCRA, a Reforma Agrária ficou estagnada durante muitos anos. Até que, em 1996, esse tema passou a ser diretamente vinculado à Presidência da República, que criou, por sua vez, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária, que posteriormente foi incorporado ao INCRA, e, em 14 de janeiro de 2000, a partir do decreto 3.338, criou-se então o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), órgão responsável pela política de reforma agrária atual, incorporando também o INCRA em sua estrutura.
Reforma Agrária no Brasil: história e atualidade da luta pela terra